Friday, March 11, 2011

Jogar fora

Em janeiro de 2012 será inaugurada na USP a biblioteca Guita e José Mindlin, que receberá a coleção do falecido bibliófilo José Mindlin. A coleção inclui raridades como um exemplar autografado de Machado de Assis, uma primeira edição de Hans Staden, do século 16, um original de "Vidas Secas", com anotações de Graciliano Ramos. A biblioteca será num prédio novo de 14 mil m^2, deverá contar com equipamentos e time de profissionais para conservar todas as raridades e controlar o acesso de pesquisadores e visitantes às obras.


É ótimo que esforços como este existam, e que tais raridades sejam preservadas. Mas isso me leva a pensar. Em casa e na vida, sempre jogamos coisas fora. A recomendação do bom senso é sempre ficar com o essencial, e não entupir a casa de coisas que não se usa. Uma das coisas mais difíceis de aceitar na minha vida é justamente como nada dura para sempre, não apenas nos objetos que você usa no dia-a-dia, como também com as pessoas com quem você convive. Muitas das mudanças que se operaram em mim nos últimos tempos têm a ver justamente com aceitar que certas coisas acabaram, que certas idéias, objetos, pessoas têm que ser deixadas para trás. Por mais que eu acredite na validade da idéia, no valor da pessoa, na utilidade dos objetos... todas elas têm sua hora de partir.


Por outro lado, essa biblioteca provavelmente não paga seus custos. São necessários profissionais e equipamentos especializados apenas para preservar tantas obras raras. Obras cujo conteúdo pode ser facilmente digitalizado, dispensando a construção de um prédio, a compra de equipamentos e a contratação de profissionais. Não que eu não goste de saber que um manuscrito do Machado de Assis está preservado e seguro ao meu alcance.


Apenas penso: nós como indivíduos não podemos guardar todas as coisas que fizeram parte de nossa vida um dia. O motivo é que em geral numa certa fase da vida nos dedicamos a, digamos, 3 atividades (1 trabalho, 1 esporte, 1 arte); nos distraímos, em geral, com 5 objetos (TV, filmes, músicas, livros, brinquedos...), e nos relacionamos com digamos 10 pessoas. No nosso tempo e na nossa cabeça só cabe isso. Conforme vão surgindo novas atividades, pessoas e objetos, alguns têm que ser deixados para trás. Simplesmente não há tempo, não há espaço em nossas cabeças.


No entanto quando um somatório de indivíduos, que dedicam uma fração da sua atenção e tempo ao estudo da literatura e a preservação de obras, isso possibilita a construção da biblioteca. Acho que essa biblioteca reflete uma situação inédita na história do mundo: uma situação em que a sociedade produz excedente suficiente para que atividades de baixo retorno, como a pesquisa literária, sobrevivam e se desenvolvam a despeito do dinamismo e baixa durabilidade impostos ao nosso estilo de vida contemporâneo. Há cada vez menos pessoas dedicadas à satisfação das necessidade básicas do ser humano, e esse excedente de tempo, de braços, de inteligência é cada vez melhor direcionado a todos os outros ramos da vida.

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